Publicado em 11/04/2014Dinheiro nunca é demais. A máxima popular costuma ser verdadeira em muitos casos, mas para um banco pode se tornar um incômodo. É essa equação que a família Batista tenta resolver no Original, instituição que tem um dos maiores índices de capitalização do sistema financeiro brasileiro.
Para isso, a holding J&F - que controla o Original, o frigorífico JBS e outras empresas - traçou um plano com o objetivo de encorpar os negócios do banco. O Original, hoje voltado ao atendimento de empresas com faturamento anual a partir de R$ 500 milhões, vai ampliar seu foco também para companhias de menor porte. No próximo ano, planeja lançar uma operação de varejo voltada a pessoas físicas de alto pode aquisitivo.
"Precisamos ter um banco completo para ganhar escala", diz Sandra Boteguim, presidente do Original. A executiva concedeu ao Valor sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, em 2013.
Sandra e outros tantos executivos do Original fizeram carreira, anos atrás, no extinto BankBoston. Foram levados para lá pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que dirigiu a instituição internacionalmente nos anos 90 e hoje é presidente do conselho consultivo da J&F.
É no antigo Boston - comprado em 2006 pelo Itaú - que a equipe busca inspiração para colocar de pé o novo projeto do Original e rentabilizar o capital. A instituição fechou 2013 com um índice de Basileia (que mede quanto de capital os bancos devem ter para cobrir riscos de perdas) em 74,5%. O patamar é estratosférico quando comparado ao mínimo de 11% exigido pelo Banco Central (BC).
A proposta é ousada. O Original pretende entrar no varejo sem erguer uma agência bancária sequer. Toda a operação será virtual. Os clientes poderão fazer todas as transações usando internet, celular e caixas eletrônicos.
Há mais de dez anos, o Unibanco tentou aplicar esse modelo com o Banco1.Net, mas não deu certo. Para Sandra, o projeto do Original tem mais chances de decolar porque a tecnologia avançou e porque a operação será montada do zero. "É muito difícil montar um banco todo eletrônico quando se tem um banco de tijolo ao lado, o que não é nosso caso", afirma.
Para compensar a falta de agências, que ajudam a dar visibilidade à marca, o Original pretende fechar parcerias. Sandra diz que acordos com empresas e livrarias, são algumas possibilidades.
Com esse formato, jovens, profissionais liberais e empreendedores constituem o perfil de clientes que o banco quer atrair. A expectativa é alcançar entre 200 mil e 300 mil clientes em até cinco anos.
A ideia é oferecer crédito, cartão e produtos de investimentos - embora criar uma gestora de recursos não esteja nos planos atuais. O diferencial, diz Sandra, será a prestação de serviços.
"Queremos atrair os órfãos de bancos como o Boston e o Real", ressalta a executiva. "Apesar da segmentação, os bancos ficaram muito grandes e massificados."
O atendimento a pessoas físicas também tem o objetivo de fortalecer a captação de recursos, importante para complementar as operações no segmento corporativo.
No segmento de empresas, o banco vai se concentrar nas companhias com faturamento anual a partir de R$ 100 milhões, que serão atendidas por nove escritórios. Por enquanto, a operação está concentrada na região Sudeste, mas com o tempo, esse limite geográfico deve ser extrapolado. O agronegócio continua sendo importante, mas a estratégia da instituição é não se limitar a setores específicos.
No ano passado, o banco começou a emprestar para empresas com receita anual acima de R$ 500 milhões. Em busca de companhias em ascensão, a instituição vai atender empresas de menor porte a partir do segundo semestre.
Até o fim de março, o Original tinha construído uma carteira de crédito de R$ 850 milhões. A expectativa é alcançar R$ 10 bilhões em operações corporativas num prazo de cinco anos.
"O mercado está carente de bancos com as características que queremos apresentar. Queremos aproveitar a consolidação do mercado bancário", diz Pedro Meloni, diretor de crédito do Original.
Não é só crédito, porém, o que está no radar do Original. Nesta semana, o banco fechou a compra da butique de investimentos Latin Finance Advisory & Research. A partir dessa equipe recém-incorporada de 19 pessoas, a instituição quer oferecer às empresas serviços em fusões e aquisições, financiamento de projetos, reestruturação e mercado de capitais. Também foi pedida ao BC uma licença para atuar com banco de investimentos.
"É importante para expandir nossa oferta de produtos", afirma Matheus Oliveira, diretor comercial do Original.
Essa é a terceira tentativa dos Batista de estruturar o Original. Em 2009, ainda com o nome de JBS, o banco foi criado com o objetivo de financiar a cadeia de produtores do frigorífico. Em 2011, o grupo tomou um financiamento de R$ 1,85 bilhão do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para ficar com o problemático banco Matone, centrado no crédito consignado. Cerca de um ano depois, o Original desistiu desse segmento.
O excesso de dinheiro no banco, que tem R$ 2,2 bilhões de capital, é algo que causa incômodo à família Batista. Recentemente, veio a público um questionamento do BC aos sócios e diretores do Original sobre suspeita de empréstimos cruzados feitos no fim de 2011. O Original fez um financiamento à Trapézio, holding do banco Rural. No mesmo período, o Rural deu crédito à J&F e à Flora, companhia de cosméticos do grupo.
As operações levantaram a suspeita de que dinheiro do Original estaria sendo transferido para empresas do grupo controlador do banco, algo vetado pelas regras bancárias.
O episódio, que resultou no indiciamento de Katia Rebello, sócia e ex-presidente do Rural, e de Joesley Batista, sócio da J&F, levou o grupo a trocar a toda a diretoria do banco. Os dez ex-diretores do Original também receberam multa de R$ 200 mil cada.
Também em 2011, a montagem de uma posição do banco no mercado de derivativos na BM&FBovespa já havia despertado a atenção dos reguladores. Logo após esses episódios, no início de 2012, Meirelles chegou ao conselho consultivo da holding J&F, dando início à reformulação do Original.
Agora, o banco não tem pressa. Dessa vez, quer construir uma história que seja definitiva. Internamente, os principais executivos do banco não se cansam de repetir um mantra de Meirelles: "vai devagar porque eu estou com pressa". Com informações do Valor.