Publicado em 04/09/2014Adão Ribeiro não teve escolha: no dia 23 de fevereiro de 2003 teve sua propriedade invadida por índios da etnia terena e precisou seguir em frente, mesmo com os passos lentos de seus quase 90 anos.
– A gente tava tranquilo lá e apareceu um grupo dizendo que tava retomando o que era deles. Chegou a tarde a gente não tinha nem lugar para dormir. Aí viemos pra beirada da estrada e paremos na casa do meu tio. Passamos um dia lá, porque onde a gente morava perdemos o sossego – lembra Ranulfo Ribeiro, filho do ex-produtor rural.
Na fazenda Recanto do Sabiá, localizada no município sulmatogrossense de Dois Irmãos do Buriti, o produtor plantava 300 hectares e arrendava outra parte. Quando teve que sair de sua propriedade, Adão tinha 77 anos. Já se passaram 11 anos e hoje ele vive cerca de 12 quilômetros da fazenda pela qual tem esperança de receber uma indenização.
– Eu queria receber o dinheiro. A terra não, porque fica ligado com o índio, não dá para ficar – diz.
Não é difícil entender a descrença de Adão Ribeiro. Dois anos após a invasão, a Justiça decretou a reintegração de posse, jamais cumprida. Segundo Ranulfo Ribeiro, a reintegração foi suspensa um pouco antes de vencido seu prazo. Pai e filho hoje moram de favor na fazenda de um amigo.
– Eu tenho vergonha de ver as coisas que a Justiça faz, que a política. Está faltando humanidade, porque eles veem a verdade e não querem enxergar – revolta-se Sônia Ribeiro, também filha de Adão.
O drama da família Ribeiro é o exemplo da insegurança jurídica que vivem os produtores rurais do centro-norte de Mato Grosso do Sul. Uma história que começou há quase 100 anos. O antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) criou na época a Terra Indígena Buriti, uma área de 2.090 hectares destinada à etnia terena.
Durante décadas a convivência foi boa com as fazendas vizinhas, mas a história mudou em abril de 2000, quando houve a primeira invasão fora da reserva. Desde então a Funai demarcou mais 15 mil hectares como áreas indígenas, totalizando 17 mil hectares. Das 31 fazendas que ocupam este espaço, somente quatro não estão invadidas.
– Esta questão começou a vir à tona e ser discutida de forma mais profunda e maior interesse da sociedade e a parir daí começou a se perceber o que acontecia, que este procedimento, cujo objetivo seria a regularização de uma ocupação tradicional por um grupo indígena, na verdade começou a ser utilizado para criação de novas terras indígenas e não necessariamente para atender comunidades indígenas – diz o assessor jurídico da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Carlos Daniel.
Mesmo estando em posse dos índios, os 15 mil hectares não foram homologados e os agricultores não receberam a indenização prometida pelo Ministério da Justiça.
– Vieram com um preço pra comprar que não reflete a realidade de mercado. Nós estamos em Sidrolândia, que é uma das principais cidades com atividade agropecuária do Estado, a 60 quilômetros de Campo Grande, com terras férteis, e eles vieram com o desplante de oferecer R$ 5 mil pelo hectare destas terras que valem no mínimo três vezes mais – diz o produtor rural Ricardo Bacha.
Para a advogada especialista em questões agrárias Luana Ruiz Silva, a indenização prévia do valor da terra – que não é permitida pela Constituição no caso de criação de terras indígenas, é o caminho mais justo para os proprietários.
– Há produtores que não querem mais a área. Nós temos invasões antiquíssimas em que a área já foi toda degrada. Se for devolver a terra, o poder público tem que indenizar pelos anos que se ficou fora dela e tem que devolver na forma como estava, na pujança da produção agropecuária. Aí sim eu vou aceitar. Devolver degradada não tem como, eu prefiro a indenização prévia e justa no valor de mercado – aponta a advogada.
Com a autorização do cacique de uma das 9 aldeias que formam a Terra Indígena Buriti, nossa reportagem entrou na área para conhecer a realidade dos índios. O cacique da aldeia Córrego do Meio, Antônio Aparecido José, diz que a intenção dos índios é conseguir viver da terra.
– O objetivo é plantar, criar gado. A gente tá nesta luta desde 2000, tem 14 anos que estamos nesta luta.
Agostinho Mendes vive com a mulher na fazenda que já foi de um produtor rural. Aqui planta mandioca, milho, abóbora e banana, uma agricultura ainda arcaica e segundo ele, carente de infraestrutura.
– Nós estamos lutando pra conseguir um caminhão pra transporte, pra levar pra cidade. Aí seria mais fácil pra produzir – relata Mendes.
Os índios também admitem que os 17 mil hectares, em pouco tempo, não serão insuficientes.
– Na verdade a gente sabe que estes 17 mil hectares daqui 20, 30 anos vai ser pequeno né? São coisas de se pensar futuramente porque a gente tem histórico de que a nossa área chegava a 50 mil hectares principalmente na região de Dois Irmãos, que é o ponto mais forte – diz o cacique.
A questão indígena está bem retratada no documento Plano de Ação do Agronegócio, elaborado por especialistas com propostas para os programas de governo dos candidatos a Presidência da República. As propostas deste tema, coordenadas pelo presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Antônio Pinazza são:
• Criação de um novo marco regulatório para demarcações de terras indígenas;
• Aprovação da PEC 215, que transfere do executivo para o legislativo a decisão final sobre a demarcação de áreas indígenas no país;
• Estender o entendimento da lei anti-invasão existente para a reforma agrária para conflitos indígenas e quilombolas;
– Hoje 13% da área brasileira é terra indígena, nós temos 800 mil índios. Quem vai administrar 13% do território brasileiro? O bom senso tem que entrar na mesa de discussões. Outra demanda é a definição de áreas quilombolas. É uma discussão recente, complexa, difícil, litigiosa – aponta Pinazza.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi procurada, nenhum representante quis dar entrevista. Com informações do Canal Rural.