Publicado em 24/11/2015O presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, terá a chance de reverter políticas que prejudicaram o setor pecuário nacional a ponto de comprometer o status do país como um dos maiores exportadores de carne bovina. O líder da coalizão Cambiemos e opositor do governo Cristina Kirchner promete dobrar a produção de alimentos e estimular o potencial dos produtores rurais argentinos. Se cumpridas, as propostas devem ajudar a revitalizar a pecuária e a atuação de frigoríficos. Em entrevista ao Broadcast Agro, analistas do setor produtivo brasileiro ressaltam, porém, que o caminho à frente deve ser atribulado e as mudanças na agropecuária podem não ser prioridade máxima.
"Macri tem uma história de empreendedorismo que atrai muito a simpatia dos empresários agrícolas. Ele promete coisas positivas, como abertura comercial, liberdade econômica e câmbio flutuante, que vão na contramão das políticas usualmente adotadas em países latino-americanos", descreve Lygia Pimentel, sócia-diretora da AgriFatto. "Mas ele terá um desafio muito grande (para implementá-las), sendo o primeiro deles permanecer no poder. Tentativas anteriores de liberalizar a economia do país falharam", nota a especialista, acrescentando que o recém-eleito terá de lidar com uma maioria peronista no Senado argentino.
Para Hyberville Neto, analista da Scot Consultoria, o fim dos 12 anos de mandatos do casal Kirchner, por si só, já deve ser encarado como um estímulo ao setor, que estava imerso em embates com o Executivo argentino. Sem os Kirchner, produtores estão mais dispostos em investir. "A perspectiva é termos maior retenção de fêmeas à medida que pecuaristas estimulam a produção e aumento do rebanho. No curto prazo, porém, talvez isso diminua mais a oferta de animais", observa o consultor. A Câmara de Indústria e Comércio de Carnes e Derivados (Cicra) nota que o processo já teve início. Em outubro, fêmeas representaram 42% dos abates totais, a menor taxa dos últimos três anos e um indicativo de que produtores estão mais otimistas sobre o futuro da atividade.
No horizonte do governo Macri, pecuaristas veem uma oportunidade de encerrar os Registros de Operações de Exportação (ROE), um mecanismo criado pelo ex-presidente Néstor Kirchner em 2006 para limitar os embarques de carne bovina. O então chefe de Estado chegou a suspender as vendas externas do segmento por 180 dias, com exceção dos volumes enquadrados na Cota Hilton - referente a cortes de alta qualidade destinados à Europa. A medida foi anunciada um ano após o país impor taxas de 15% sobre a exportação de carne bovina. A decisão tolheu as vendas do setor e impactou a geração de valor na cadeia produtiva, atuando como um desestímulo à produção. "O objetivo era conter a inflação, mas foi um tiro no pé. Isso resultou em aumento no abate de fêmeas, redução da oferta, do rebanho e dos abates. E os preços da carne bovina voltaram a subir", explica Neto, da Scot.
Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (o USDA) indicam que o rebanho argentino encolheu 7,5 milhões de cabeças entre 2006 e 2010, para 48,2 milhões de animais. O estoque voltou a crescer nos últimos anos e ficou em 51,7 milhões de bovinos em 2014, mas ainda é inferior ao nível observado anteriormente. Segundo a Cicra, cerca de 23% da produção nacional era exportada em 2006. Hoje, apenas 7% da carne bovina deixa o país. Como reflexo, a Argentina não faz parte mais do ranking dos dez maiores exportadores, no qual ocupava a terceira colocação. Mais de 140 plantas frigoríficas foram fechadas, com cerca de 20 mil demissões. E a inflação não cedeu. O indicador oficial (IPC) fechou 2006 em 9,81%, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec). Em 2014, o avanço dos preços resultou em taxa de 23,9%, mas de lá para cá o próprio Indec teve sua independência posta em xeque por analistas, que creem que o ano passado se encerrou com o IPC acima de 30% ao ano.
Macri é favorável ao fim da ROE e Lygia, da AgriFatto, espera que o novo presidente também facilite importações. "É uma medida importante para combater a inflação, embora seja considerada ruim pelas empresas", explica. "Se ele conseguir abrir o mercado e liberar as exportações, será um ânimo muito grande ao setor agropecuário".
Frigoríficos A indústria brasileira marca presença na Argentina e deve se beneficiar de eventuais políticas públicas favoráveis ao desenvolvimento do agronegócio no país. Dos maiores frigoríficos, JBS e Marfrig mantêm unidades produtivas no vizinho. A Marfrig, porém, revelou este mês que vai vender sua divisão argentina e utilizar os recursos recebidos para diminuir seu endividamento. A direção da empresa afirma que está em conversas avançadas com um investidor em potencial e que a transação deve ser fechada em breve.
"Obviamente temos expectativa de que haja mudanças (com a sucessão de Kirchner), mas a recomposição do estoque (de bovinos) na Argentina vai levar tempo. É um tempo biológico que ninguém vai adiantar", disse o presidente da Marfrig, Martín Secco, em coletiva de imprensa sobre os resultados do terceiro trimestre do grupo - antes do resultado das eleições. Ao Broadcast Agro, Lygia afirma que o ciclo pecuário normalmente leva cerca de três anos para alterar de um período de escassez de animais para um de plena oferta, mas que a recuperação na Argentina pode levar ainda mais tempo. Segundo ela, o ciclo natural foi agravado por intervenção estatal, que levou ao reforço dos abates de fêmeas em período em que produtores deveriam reter estes animais para procriação.
Secco, da Marfrig, também pondera que o próximo governo pode não mudar o panorama na velocidade esperada. "O próximo governante terá de analisar isso dentro de outras demandas que terá", afirmou. Dentre as mais urgentes estão o controle da inflação e a retomada do crescimento econômico. Em 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina avançou 0,5%. A flexibilização do câmbio e o combate ao mercado paralelo também devem estar em pauta, e podem ajudar exportadores do setor a aumentarem seus rendimentos.
Na Argentina, a JBS mantém cinco frigoríficos, um curtume e um centro de distribuição, e espera-se que o fim da gestão Kirchner reforce a aposta do grupo no país. "Se há dinheiro no bolso, este seria o momento para começar a investir na pecuária argentina. A incerteza ainda é muito grande e precisamos esperar os primeiros meses do governo Macri para traçar cenários, mas há oportunidades", nota Lygia. Dificilmente a vitória da oposição vai impulsionar os resultados do grupo brasileiro, entretanto. As operações da JBS na América do Sul, com exceção do Brasil, respondem por apenas 6% das receitas globais consolidadas. Com informações do portal Estadão.