Publicado em 27/06/2016A saída do Reino Unido da União Europeia (UE) terá efeitos de curto prazo sobre o mercado financeiro e deve retardar a recuperação econômica da Europa, afirma Vera Thorstensen, diretora do Centro do Comércio Global e Investimento da Fundação Getúlio Vargas (FGV). As repercussões do "Brexit" sobre o comércio devem ser sentidas em um segundo momento, avaliou a especialista, que foi assessora econômica da Missão do Brasil em Genebra e presidente do Comitê de Regras de Origem da OMC. Doutora pela FGV e com programas de pós-doutoramento em Harvard (EUA), CEPS (Bruxelas) e BID (Washington), Vera antecipa que, após o Brexit, a negociação Mercosul-União Europeia (UE) deixa de ser prioridade para os europeus.
Valor: Qual é sua avaliação sobre o significado da saída do Reino Unido da União Europeia?
Vera Thorstensen: Quem estudou a história [da integração] da Europa sabe que a entrada do Reino Unido sempre foi problemática. A Europa se formou por causa da Alemanha e da França, o núcleo, mas teve problemas. Os ingleses sempre foram membros relutantes da União Europeia.
Valor: A senhora se surpreendeu com a decisão?
Vera: Quando li o jornal de manhã levei aquele choque pois estava se esperando o contrário. Mas no fundo não surpreende. É [a saída] um processo longo, de dois anos, negociável. O Reino Unido pode integrar o Espaço Econômico Europeu [EEE], de que Suíça e Noruega fazem parte. Em economia e comércio sempre se dá um jeito.
Valor: Quais setores devem ser mais atingidos?
Vera: O setor que mais será atingido agora é o setor financeiro. Os bancos, provavelmente, vão querer ter suas sedes em Frankfurt, que seria o novo centro financeiro da Europa. O impacto será no mercado financeiro e nos bancos, que estão com exposição grande. Haverá um momento de crise econômica e política na Europa. Aí é recuperar. O tempo é a melhor cura.
Valor: E o comércio?
Vera: O Reino Unido vai ter que renegociar todos os acordos aos quais pertence junto com a Europa. Então, teoricamente, se o Reino Unido sai e não tem acordo nenhum com a Europa tem que pagar a Tarifa Externa Comum [TEC] da Europa, que é o que a gente [Brasil] paga. Certamente vai fazer acordo tipo Espaço Econômico Europeu. O Espaço Econômico Europeu foi feito anos atrás, logo depois do alargamento da União Europeia, e tem preço. Tem que participar do orçamento, não é de graça que participa. É uma negociação complicada de dois anos e muita coisa pode acontecer.
Valor: O mesmo vale para a América Latina?
Vera: A Europa tem acordos comerciais com toda a América Latina. O que vai acontecer com cada país que negociou com a Europa como bloco? A tarifa externa da UE será igual à do Reino Unido? Ninguém sabe.
Valor: Houve um conjunto de fatores que favoreceu a saída?
Vera: É um quadro onde tem muita coisa negativa acontecendo junto. Fazer integração econômica no que se refere a bens vai bem, mas é mais difícil quando envolve serviços, setor financeiro. E quando chega na moeda, a Inglaterra nunca entrou no euro e nem no espaço de Schengen [acordo sobre circulação de pessoas entre países europeus]. Eu morei anos na Europa. Livre circulação de pessoas é muito complicado. Então juntou tudo, a crise e a invasão de imigrantes. É muito triste. Eu sempre achei a história da integração da Europa fascinante, mas tem consequências. Por que os mais velhos votaram contra? Querem a tal soberania de volta, tem um preço de pertencer ao 'clube'. Cada país paga em relação à sua população e ao seu PIB. A Inglaterra é rica, pagava muito e recebia [da UE] muito dinheiro da agricultura. Mas dizia que pagava mais do que recebia. Existe animosidade do inglês contra a Europa, sempre existiu, então não é surpresa que isso aconteça.
Valor: A recuperação econômica da Europa pode demorar mais?
Vera: Sim, aprofunda a crise econômica e financeira da Europa que está pensando em recuperar. Está lá o Banco Central Europeu [BCE] fazendo um esforço grande. Agora [o Brexit] cria clima de incerteza que afeta tudo, investimento e comércio. Haverá um momento de grande incerteza e volatilidade e depois as coisas vão se acalmando de novo. Não existe história [pregressa] de país sair da Europa, o que eles chamam de 'adquirido comunitário', o aqui comunitário, é barbaridade. São legislações sobre todos os aspectos da vida econômica. É um direito comunitário que é mais importante que o direito de cada país. A Inglaterra vai querer ser diferente em tudo? Não vejo assim porque [a Inglaterra] não conseguiria exportar. A saída [do Reino Unido] é longa, dois anos para sair. Tem que ser aprovado no parlamento inglês. E se acontece alguma mudança? Isso não está claro.
Valor: O acordo Mercosul-União Europeia vai para o fim da fila?
Vera: A negociação [para a UE] já não era prioritária. Está na fila dos interesses, recomeçou a negociação. Mas, com uma crise dessas, sinto muito. Mais importante para eles [UE] é a negociação com os Estados Unidos [o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento]. A Europa vai continuar a fazer o [acordo] transatlântico com os Estados Unidos sem o Reino Unido? Tem o acordo com a Índia que já estava andando. Qual era o papel da Inglaterra nos acordos preferenciais que a Europa estava fazendo? Vários acordos estavam mais próximos que o Mercosul. Entendo que o Reino Unido até queria [o acordo com o Mercosul], mas a Irlanda era contra. Agora, não sei.
Valor: Pode haver efeitos negativos para os esforços do Brasil de aumentar as exportações?
Vera: Ouvi [na sexta-feira] o presidente [Temer] falando de universalização, que a política externa do Brasil será universal. O Brasil vai voltar a olhar parceiros e definir novas prioridades. Não vejo o Brasil sendo afetado, talvez mais na área financeira do que o comércio. Com informações do Valor.