Publicado em 20/01/2017A União Europeia (UE) sinaliza agora que quer concluir "o mais rápido possível" a negociação do acordo de livre comércio com o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), em meio ao risco de mais protecionismo no comércio mundial com políticas que podem vir de Donald Trump na Casa Branca a partir de hoje.
"Sim, o contexto internacional torna mais desejável do que nunca ter um acordo de comércio com o Mercosul", declarou ao Valor a comissária europeia de comércio, Cecilia Malmström, depois de se reunir em Davos com o ministro brasileiro da Indústria, Marcos Pereira, a chanceler da Argentina, Susana Malcorra, e o ministro da Produção argentino, Francisco Cabrera.
"Estamos acelerando [as negociações] o máximo que podemos. Estamos totalmente engajados para fazê-lo [o acordo] o quanto antes", acrescentou a comissária europeia, que confirmou uma nova rodada de negociações para março, em Buenos Aires.
Indagada se as negociações, após anos de suspensão e de marcha lenta, poderiam neste novo contexto ser concluídas até o fim do ano, ela respondeu que não gostaria de fixar prazos, mas adiantou: "Vamos tentar, é possível". Sobretudo, será preciso combinar com a França, que terá eleições este ano, e outros protecionistas agrícolas, como a Irlanda.
O certo é que o tom da comissária mudou em relação ao que dizia no ano passado, quando afirmava que a negociação deveria ser feita tranquilamente, na prática rejeitando a pressa anunciada pelo chanceler José Serra.
Com um acordo com o Mercosul, um enorme mercado com potencial consumidor importante, empresas europeias terão preferências significativas comparado a companhias dos Estados Unidos, por exemplo.
"Há uma disposição totalmente nova e maior, do lado europeu, do que havia um ano atrás", disse o ministro Pereira. A ideia esboçada ontem, na reunião, é que os dois blocos possam anunciar em dezembro um entendimento "político" em torno do acordo de livre comércio. Isso não significa que todos os pontos técnicos sejam fechados, mas um alinhamento sobre as questões mais importantes. O objetivo, segundo explicou Pereira, é aproveitar a conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) no fim de 2017, que desta vez ocorrerá em Buenos Aires.
Os dois blocos combinaram de melhorar suas ofertas de liberalização comercial em março. As propostas iniciais foram trocadas em maio do ano passado, mas decepcionaram ambas as partes. O Mercosul se dispôs a eliminar tarifas para 87% do comércio em um prazo de 15 anos, algo considerado insuficiente pela UE. Diante dos indícios de que a oferta seria baixa, os europeus assumiram o compromisso de zerar alíquotas para 89% das exportações sul-americanos, o que também resultou em frustração - principalmente porque não incluía etanol nem carne bovina.
Do lado do Mercosul, segundo funcionários do governo brasileiro, será preciso igualmente desagradar setores da indústria para aumentar a cobertura da proposta de liberalização à UE.
A eleição de Trump praticamente sepulta as possibilidades de conclusão da Parceria Transatlântica (TTIP), um tratado de livre comércio que vinha sendo discutido entre Estados Unidos e UE. O acordo já enfrentava dificuldades, sobretudo na França.
Em debate no Fórum Econômico Mundial intitulado "Protecionismo: de volta para o futuro", numa alusão às ameaças de Trump, a comissária europeia deixou claro que a Europa vai prosseguir firme na negociação de 16 acordos comerciais e que prepara a abertura de discussões com mais seis parceiros.
O debate sobre protecionismo mostrou grande expectativa e um certo pessimismo, diante da retórica de Trump. Min Zhu, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e agora de volta a Pequim, declarou que a China está evidentemente preocupada, mas alertou: "Guerra comercial não tem ganhador e pode causar queda no PIB dos EUA". Ao mesmo tempo, a China quer expandir acordos comerciais na Ásia e em outras regiões.
O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, alertou que uma guerra comercial pode ter consequências inimagináveis, mas foi cauteloso, observando que ainda não viu nada concreto de Washington. Com informações do Valor.