Publicado em 18/04/2017A falta de crédito e de interesse do varejo por produtos sustentáveis pode limitar o escopo de um projeto ambiental inédito no país a no máximo 20% das propriedades rurais da Amazônia. O motivo? É caro demais implementar boas práticas associadas à elevação da produtividade animal sem contrapartidas de mercado. Sem elas, somente fazendas com área acima de 400 hectares teriam fôlego financeiro para mudar sua forma de produção sem destruir a floresta.
Esse é o principal alerta do estudo "Custos, benefícios e desafios da intensificação sustentável da pecuária", publicado pela ONG The Nature Conservancy (TNC) como um diagnóstico da viabilidade econômica dos primeiros anos do projeto "Do Campo à Mesa". Lançado em 2009, em parceria com o Marfrig e a rede varejista Walmart, o projeto visa diminuir os impactos da pecuária no ambiente através da adoção de boas práticas agropecuárias e bem-estar animal.
Em questão estão 13 propriedades rurais em São Félix do Xingu, no Pará, considerado no passado um dos principais focos de desmatamento na Amazônia. Com 8,4 milhões de hectares, São Félix tem também um dos maiores rebanhos bovinos por município - 2,2 milhões de cabeças. As fazendas estudadas somam 40 mil hectares (metade é pasto) e 33 mil bois.
Sete anos após sua implementação, duas constatações são extraídas dessa experiência, diz o estudo. A primeira é que o resultado é bom. Com o projeto, nenhuma das propriedades efetuou qualquer desmatamento. A melhora na genética animal, a manutenção e o manejo do pasto contribuíram para, em alguns casos, mais que dobrar a produtividade - ou seja, o número de animais no pasto. Da média histórica de 1,2 boi por hectare na Amazônia, os pecuaristas do projeto foram a três ou quatro animais. Ao mesmo tempo, as pastagens estão gradativamente sendo reformadas, e as áreas de preservação permanentes isoladas, como as margens dos cursos de água. Tudo isso garante benefícios ambientais, qualidade da produção e conformidade com a lei.
A outra constatação é que o custo médio para essa transição à pecuária sustentável é alto comparado ao que o pecuarista brasileiro tem hoje como referência. São US$ 1.335 por hectare - de 2,8 a 6 vezes o custo da atividade extensiva. Nas propriedades médias e grandes, esse investimento se paga e começa a dar retorno superior ao da pecuária tradicional em sete a 11 anos a partir do início da intensificação.
Mas é nas propriedades menores - em geral em piores condições e com uma lista maior de correções a serem feitas - onde as melhorias pesam mais: o hectare passa a custar US$ 2.368, um valor fora de sintonia com a capacidade financeira dessa camada da economia rural.
"Para as pequenas propriedades rurais brasileiras, nosso modelo de projeto simplesmente não serve. É muito caro", diz Edenise Garcia, gerente-adjunta de Ciências da TNC e coautora do estudo. "Escala, nesse caso, não é factível. Funcionaria apenas para propriedades acima de 400 hectares, só que 80% delas têm menos de 300 hectares. Uma outra abordagem deve ser considerada", diz a especialista.
No contexto amazônico, ganhar escala e mudar o modo de produção é crucial para estancar o desmatamento. Mas só os grandes - ali, os mais capitalizados - não conseguem promover essa mudança, diz Francisco Fonseca, coordenador de produção sustentável da TNC e outro coautor do estudo. Pecuaristas menores precisam ser considerados nessa lógica. "Mas faltam a eles acesso a crédito", diz.
Pesa contra eles a falta de titularidade da terra (o que os afasta do crédito rural), as dificuldades de acesso ao Programa de Agricultura de Baixo Carbono e a própria aversão ao risco e a tecnologias - maior entre os pecuaristas que em produtores de soja, por exemplo.
Mas os especialistas da TNC colocam o dedo em outras feridas importantes para explicar a "corrida de obstáculos" para promover a transição sustentável na Amazônia. Segundo o estudo, apesar das várias iniciativas 'verdes' e programas de bônus, a falta de incentivos e demanda do mercado varejista por produtos sustentáveis prevalecem na cadeia de valor da carne, o que freia o investimento em boas práticas. O preço pago ao pecuarista que adere ao programa é o mesmo pago àquele que faz tudo errado.
"Em muitos casos, a sustentabilidade não é encorajada e valorizada, e a crise econômica brasileira limita a habilidade dos frigoríficos de assumir riscos e custos sem apoio de varejistas, cuja principal preocupação (dividida com o consumidor) é comprar carne a preço acessível", diz o documento. Some-se a isso o valor de mercado menor da carne do Pará, as distâncias de frete e custos com insumos (suplemento animal, fertilizantes), a margem de São Félix sofre ainda mais pressão. Se a sustentabilidade for escalonada, esses custos terão de ser reduzidos, conclui o estudo.
"Para o pequeno, ou ele sai da pecuária, ou faz consórcio com lavoura ou precisa de muita assistência técnica", afirma Edenise. Com informações do Valor.