Publicado em 06/03/2018"Estamos todos perplexos". Assim uma fonte graduada da BRF sintetizou a reação da companhia à terceira fase da Operação Carne Fraca, deflagrada ontem. Se já não bastasse a tarefa nada trivial que a gestão do novo CEO, José Aurélio Drummond, tem para resgatar a BRF operacional e financeiramente em meio à disputa pela destituição do conselho de administração, a empresa passa a enfrentar agora grave crise sanitária.
Com o ex-presidente Pedro Faria preso, a BRF precisará tomar decisões relevantes de modo ágil, habilidade que faltou à gestão no ano passado, durante a primeira etapa da Carne Fraca, segundo analistas. Por causa disso, a BRF ainda tropeçava no desbalanceamento de estoques no quarto trimestre, com perdas de mais de R$ 200 milhões.
Na front financeiro, a situação também não é confortável. A companhia tem neste ano R$ 5 bilhões em vencimentos e outros R$ 4 bilhões para 2019. A dívida bruta total encerrou dezembro em R$ 20,4 bilhões. Ou seja, 45% dos compromissos vencem nos próximos dois anos. A posição de caixa da BRF estava em R$ 6 bilhões ao fim do ano passado.
Na bolsa, as ações da BRF registram ontem a maior baixa do Ibovespa. Os papéis caíram 19,75%, o que fez a empresa perder cerca de R$ 5 bilhões em valor de mercado, sendo avaliada em R$ 21,1 bilhões.
A depender do efeito da Carne Fraca sobre as exportações de carne de frango da companhia, a BRF poderá ter dificuldades para rolar créditos de exportação. Normalmente, esse tipo de contrato não é pago, mas rolado - ou seja, trocado por outros títulos. O risco, considerado bastante provável pelo Ministério da Agricultura, é que a empresa sofra com embargos internacionais.
A situação financeira da BRF, que teve prejuízo de R$ 1,1 bilhão no ano passado e está bastante endividada, preocupa o governo, disse uma fonte. Com mais de 100 mil empregados espalhados por dezenas de unidades, especialmente na região Sul do país, a empresa é a maior exportadora de carne de frango do Brasil. Estima-se que tenha 40% de participação nas exportações do país, que lidera o comércio mundial de carne de frango. Sozinha, a BRF é responsável por 7% do mercado global de frango. Em regiões com o Oriente Médio, a BRF é hegemônica.
Mesmo que nenhum país importador embargue as fábricas da BRF, o que é visto como algo quase impossível para quem conhece esse mercado, a empresa já terá de lidar com a suspensão das exportações de três dos seus frigoríficos: Mineiros (GO), Rio Verde (GO) e Carambeí (PR). As unidades, citadas na terceira fase da Carne Fraca, tiveram as vendas suspensas pelo Ministério da Agricultura para os 12 países que exigem a tipificação e o controle da bactéria salmonela. A União Europeia é o principal mercado que se fecha para a empresa brasileira.
Sem exportar a partir das três unidades, inevitavelmente a BRF sofrerá com o acúmulo de estoques. Para estancar a sangria, a companhia levará ao menos 42 dias. De acordo com especialista na indústria de frango, se a BRF tomar a decisão mais drástica, de quebrar os ovos, o reflexo na oferta de frango levará 42 dias para a ave comum e 30 dias para o 'griller', que é menor e comummente exportada ao Oriente Médio. No processo, a empresa perderá o que gastou no incubação dos ovos - que leva 21 dias.
A gestão de uma empresa de "cadeia viva" não pode ser paralisada de uma hora para outra. "Já tinha 7 milhões de frangos para serem abatidos hoje a amanhã terão outros. É um perrengue", disse ontem um executivo do setor.
A situação delicada em que a BRF se encontra ajudou a amainar o clima na reunião do conselho de administração da empresa, apurou o Valor. Marcada para discutir o pedido das fundações Petros e Previ para agendar uma assembleia de acionistas cuja pauta é destituir o conselho de administração presidido pelo empresário Abilio Diniz.
A reunião, que chegou a ser adiada das 9h para às 11h30 porque a Polícia Federal realizava uma operação de busca e apreensão na sede administrativa da empresa, na zona oeste de São Paulo, aconteceu sem grandes intercorrências. Ficou marcada para 26 de abril assembleia que decidirá o futuro de Abilio.
Embora o empresário possa resistir e tentar ao menos um assento no conselho de administração, a tendência é que a saída de Abilio Diniz seja consolidada. Ditante do timing da operação, houve quem sugerisse uma conspiração, ou até mesmo um plano internacional para afetar as vendas do Brasil.
Em todo o caso, os fundos de pensão viram na prisão temporária de Pedro Faria uma reforço aos argumentos de que a BRF precisará melhorar a governança, trocando o atual conselho. "Mostra que estávamos certos", afirmou uma fonte próxima. Além de Faria, outro executivo próximo de Abilio Diniz foi alvo da Carne Fraca. Vice-presidente da BRF até ano passado, José Roberto Permonian Rodrigues, o JR, foi levado em condução coercitiva.
Em nota divulgada ontem, a BRF buscou esclarecer as frentes de investigação. De acordo com a empresa, os casos não presentam um risco à saúda humana. A BRF também informou que levou a sério as denúncias de fraude nos testes apontadas a sério. Para aprimorar os processos, a empresa alegou ter desvinculado a hierarquia das unidades produtoras sobre os laboratórios, que passaram a responder diretamente à área de qualidade. Com informações do Valor.