Publicado em 28/10/2013Sen. Kátia Abreu (PMDB-TO)
Publicado na Folha de S. Paulo - 26/10/2013
Não pode um país que queira crescer economicamente e se desenvolver socialmente conviver com a insegurança jurídica. Empregos são perdidos, empresas fragilizadas e a renda familiar se esvai. O arbítrio e o que cada um entende por direito passam para diante da cena, produzindo, em muitos casos, a violência como um efeito colateral.
Leis só são dignas desta denominação quando se caracterizam pela imparcialidade, impessoalidade e universalidade.
Se essas condições não são preenchidas, elas nada mais são do que privilégios legalmente acobertados.
Nessa perspectiva, é extremamente bem vinda a decisão do Supremo Tribunal Federal ao julgar os embargos declaratórios do julgamento da Raposa Serra do Sol (RR). A questão em discussão era a da validade, ou não, das condicionantes daquele julgamento, de caráter abstrato e universal, para outros casos.
A expressiva maioria dos ministros optou pela resposta afirmativa. O ministro Barroso assinalou que elas tratam dos fundamentos da decisão tomada no caso Raposa Serra do Sol. Fundamentos que criam, portanto, uma base jurisprudencial para qualquer outro julgamento atinente à mesma questão.
A decisão da mais Alta Corte é uma decorrência da Constituição. Desrespeitá-la significa, por sua vez, violar a lei maior do país.
Havia expectativa entre os ditos movimentos sociais e ONGs, assim como do Ministério Público Federal e da Funai, de que essas normas não seriam validadas. Nutriam a esperança de que algumas dessas condicionantes, como a que veda a ampliação das terras indígenas já demarcadas e a que torna obrigatória a consulta aos entes federados (municípios e estados) quando de demarcações, seriam substancialmente mudadas. A expectativa se frustrou. Para o bem da nação, aliás.
Outra expectativa residia na suposta validade particular dessas normas, como se valessem somente para o caso da Raposa Serra do Sol (RR). Trata-se, convenhamos, de esperança infundada, dada a clareza da posição do agora falecido ministro Menezes de Direito, ao assinalar que, doravante, esses seriam os parâmetros.
Nesse sentido, a expressiva maioria dos ministros foi clara. Tais normas deveriam servir de "orientação" para instâncias inferiores do Judiciário e, por consequência, para os órgãos estatais envolvidos. O ministro Teori Zavascki foi cristalino ao discorrer sobre o "efeito universal" destas diretrizes.
A conclusão foi a mesma da AGU, ao declarar que seguiria essas diretrizes, reeditando a portaria nº 303, que deverá regulamentar a decisão do Supremo.
Assim, o governo dá mostras de querer interromper a insegurança jurídica, fazendo prevalecer o domínio das leis e não o arbítrio dos interesses de grupos específicos.
Uma última questão diz respeito ao fato de que a decisão do Supremo não cria "vínculos formais" para outros casos.
Uma coisa é a jurisprudência estabelecida, que passará a nortear casos semelhantes, outra, a vinculação formal. O problema reside no modo de aplicação das normas e não em sua própria aplicação.
O "efeito vinculante" é uma característica das decisões proferidas pelo Supremo com aplicação automática a todos os casos sobre o mesmo tema, como ocorre com Ações Diretas de Inconstitucionalidade e Ações Declaratórias de Constitucionalidade.
Tal efeito impõe uma obrigatoriedade reforçada aos julgados do STF enquanto Corte Constitucional, permitindo que os cidadãos, diante do descumprimento de uma decisão --seja pelo Judiciário ou pelo Executivo-- recorram diretamente ao próprio STF, por meio de um processo específico: a reclamação constitucional.
Ao afirmar que as condicionantes no caso Raposa Serra do Sol não têm efeito vinculante, o STF simplesmente assentou que seus descumprimentos não poderão ser questionados por via da reclamação constitucional, trazendo a discussão de pronto à apreciação da Corte.
Logo, a decisão do Supremo tem efeito "erga omnes", sendo obrigatoriamente válida para casos semelhantes. Todos devem respeito à Constituição e às normas que dela derivam, explicitadas por nossa mais alta Corte.
KÁTIA ABREU, 51, senadora (PMDB/TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).