Publicado em 25/09/2020A unidade de inteligência financeira do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos monitorou as finanças de parte do Grupo J&F bem antes da decisão dos irmãos Joesley e Wesley Batista de confessarem crimes e fazerem um acordo com autoridades brasileiras.
Relatórios de Atividades Suspeitas (Suspicious Activity Reports, SARs, na sigla em inglês) produzidos entre 2014 e 2017, tiveram como alvo a principal empresa do grupo, a JBS, multinacional brasileira que é líder global da indústria de carnes e está presente em 15 países.
Um SAR é um documento que parte de uma transação financeira suspeita envolvendo duas partes e se aprofunda nas relações comerciais e financeiras estabelecidas entre elas e outras contrapartes suspeitas. Ele é equivalente ao relatório de inteligência financeira produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Brasil.
Os documentos fazem parte da FinCEN Files, uma investigação de 16 meses do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), BuzzFeed News e parceiros. No Brasil participam da cobertura a revista Época, a revista Piauí e o site Poder 360.
Cinco relatórios obtidos na investigação detalham transações financeiras de contas oficiais da principal empresa do Grupo J&F, a JBS S/A. As transações foram registradas no banco de dados do Deutsch Bank e totalizam US$ 1,86 bilhão entre agosto de 2014 e setembro de 2015 (o equivalente a R$ 10 bilhões, segundo a cotação do dólar de sexta).
Os relatórios FinCEN citam quatro episódios envolvendo empresas do grupo e motivadoras do estado de alerta sobre elas.
O primeiro é a operação Abate, que em 2009 investigou fiscais de órgãos sanitários; o segundo é o bloqueio de R$ 73 milhões da empresa no Mato Grosso, em 2014, por suspeita de recebimento de benefícios fiscais ilegais; o terceiro é a suspeita de favorecimento à empresa em julgamentos do Carf, trazidos à tona pela Operação Zelotes.
O quarto evento foi a investigação sobre corrupção em fundos de pensão de estatais que investiam na Eldorado Brasil Celulose, empresa do grupo, trazida à tona no âmbito da operação Greenfield, em 2016. Na época, ativos da empresa foram congelados e os irmãos Batista tiveram que se afastar da direção.
Tal evento é tratado como o mais grave nos relatórios FinCEN e levou à ocorrência de uma investigação sobre a movimentação bancária de 11 integrantes da diretoria, conselhos fiscal e de administração da Eldorado, citados nominalmente. Os documentos obtidos pelo ICIJ não informam o resultado desta investigação.
Assim como ocorre com os relatórios do Coaf brasileiro, nem todas as informações contidas nos documentos são evidências de irregularidades ou criminalidade.
A maior parte dos registros envolvendo a JBS S/A trata da sua relação comercial e legalizada com diferentes parceiros compradores de carne brasileira, em países como Rússia, Cingapura, Países Baixos, Hong Kong, Venezuela e Uruguai.
Mas há também registro de atividades ilegais, como as movimentações das offshores Valdarno e Lunsville, usadas pela empresa para pagar propina a agentes públicos que defendiam os interesses da empresa no Brasil.
Além das cifras, os relatórios são abastecidos com as respostas dos setores de conformidade dos bancos aos questionamentos da FinCEN.
“Você pode nos fornecer as atividades comerciais principais/secundárias e qualquer outra informação que possa nos ajudar?”, perguntou o órgão de prevenção ao banco Santander.
“A JBS é uma das maiores empresas processadoras de alimentos no mundo, produzindo processados de bovinos, ovinos, frangos, suínos e comercializando subprodutos do processamento dessas carnes”, registrou o banco.
Iniciativa semelhante ocorreu quando o órgão acendeu alerta para transações milionárias entre a JBS e compradores russos. O Sudostroitelny Bank informou, ao ser questionado: “As transações estão de acordo com a atividade esperada do cliente”, escreveram os técnicos do banco. Com informações da Época.