Publicado em 25/03/2009Pedro de Camargo Neto
Como resultado da gestão equivocada, para não usar a palavra irresponsável, na implantação de um sistema de rastreabilidade individual de bovinos, exigência exagerada da União Europeia (UE), porém prometida pelo Brasil e, portanto, de cumprimento obrigatório, começamos a perder a exportação de carne bovina para aquele mercado em 2007.
Era o principal mercado do Brasil, absorvendo, em 2006, exportações de US$ 1,16 bilhão, 37% do total embarcado em receita, ou 23% em volume, com 314,35 mil toneladas. Em 2008, o Brasil exportou para a União Europeia só US$ 270 milhões, uma retração certamente significativa.
Não se perde o principal cliente impunemente. O custo desta enorme perda começa a chegar. O fechamento de unidades industriais de abate de bovinos e, agora, a inadimplência financeira das empresas causam grande preocupação a todos. A queda de preços dos bovinos volta a desestimular a produção.
A UE era compradora de cortes bovinos de alto valor. Filé, contrafilé e alcatra eram vendidos a preço elevado, garantindo cotação média de US$ 3.690 a tonelada, 58% superior ao preço médio pago pela Rússia, segundo maior cliente, com US$ 2.335 por tonelada de cortes basicamente do dianteiro do boi, menos valorizados.
A receita vinda da UE, que comprava parte pequena da carcaça bovina, porém, muito valorizada, era essencial na formação de valor de toda a cadeia produtiva. O volume de 23% embarcado em 2006 para a UE é de grande significado, mas, quando se sabe que essa quantidade era obtida de parte pequena da carcaça, a importância daquele mercado precisa ser destacada.
A perda do mercado europeu não teve efeito imediato no produtor, pois ocorreu em momento de pouca oferta de animais, resultado de anos de preços baixos para o pecuarista. A pecuária de corte é uma atividade de ciclo longo e os ajustes na produção demoram para repercutir nos mercados.
Os cortes valorizados, que não foram exportados, encontraram, em 2008, o consumidor interno com boa renda e ávido para aproveitar ofertas no varejo. O pecuarista viu os preços se sustentarem. A queda na receita total certamente afetou o resultado dos frigoríficos.
O incidente, em 2007, encontrou a indústria frigorífica em euforia. Anos de crescimento nas exportações tinham ocorrido, pois saímos de exportações de US$ 776 milhões, em 2002, para US$ 4 bilhões, em 2008. O período de crescimento das exportações encontrou grande oferta de bovinos, resultado de significativos aumentos de produtividade zootécnica em anos passados. O aumento da oferta reduziu os preços recebidos pelos pecuaristas.
Paralelamente, vivíamos o boom global, em que a excessiva liquidez de mercados financeiros internacionais priorizava ações de captação de recursos e abertura de capital. A prioridade da indústria frigorífica era crescer e se consolidar. A preocupação com os mercados, interno e externo, e com a estabilidade de suprimentos de bovinos inexistia.
O Ministério da Agricultura reagiu lentamente ao descredenciamento europeu, que levou à perda de mercado e de credibilidade. O sistema de rastreabilidade foi sendo reconstruído, atendendo exigências agora ainda maiores da UE. A auditoria, ocorrida no fim de 2008, teria encontrado poucos problemas.
As exportações para a UE continuam, mas em volumes menores por falta de animais que atendam às exigências da rastreabilidade. Exportamos hoje o mesmo que há 10 anos. O sistema de rastreabilidade atual parece ter conquistado certa credibilidade externa. Porém, o rebanho credenciado a ter sua carne exportada é ainda muito pequeno, por causa da dificuldade de inserção de bovinos no sistema. Os procedimentos introduzidos pelo Ministério da Agricultura criaram uma brutal lentidão burocrática que dissemina somente descrença e desânimo entre os pecuaristas.
A crise global chegou com os efeitos de redução de liquidez financeira e ajustes nos mercados consumidores. Certamente é preciso reforçar linhas de crédito e maior apoio do governo.
Não podemos, porém, continuar ignorando que a perda do nosso maior cliente, a União Europeia, tem efeitos igualmente importantes e que o sistema de rastreabilidade individual de bovinos pode, hoje, não ser a vergonha que era em 2007, porém, não tem a eficiência que atenda às necessidades do mercado, situação inaceitável neste momento de crise.
*Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de 2001 a 2002