Publicado em 12/08/2010Nelson Pineda
A Food and Agriculture Organization (FAO) estima que a oferta de carnes terá que ser elevada de 200 milhões de toneladas para 470 milhões de toneladas em 2050, e que 72% da produção de carnes do mundo serão consumidos pelos países em desenvolvimento.
O Brasil é a última fronteira agropecuária do mundo. Tem território, água e tecnologia e pode enfrentar o imenso desafio de maximizar a produtividade com custos acessíveis à população mundial, sem esquecer da segurança alimentar e de não comprometer o ecossistema, minimizando o impacto ambiental, gerando bem-estar social dentro de padrões de conforto animal e garantindo retorno econômico para a atividade. Nenhum outro segmento da sociedade brasileira tem desafio comparável de produzir carne sem comprometer as necessidades das gerações futuras.
A FAO sugeriu recentemente taxar a pecuária brasileira e alerta que a elevação constante da produção animal se traduz em enormes pressões sobre a saúde dos ecossistemas, a biodiversidade, os recursos em terras e florestas e na qualidade da água, além de contribuir de maneira significativa para o aquecimento do planeta. Quem vai, porém, atender à demanda mundial de carne bovina?
Estamos diante de um paradoxo. Mas será que os bovinos são os verdadeiros vilões desta história, os únicos culpados? Será que o bovino brasileiro é o grande responsável pela emissão de gás metano no Brasil? Quais são as outras fontes de emissão?
Dos vários gases do efeito estufa, a agricultura e a pecuária contribuem de forma significativa com a emissão de três deles: carbônico, metano e óxido nitroso. A emissão desses gases é proveniente, principalmente, da fermentação entérica de ruminantes, do tratamento anaeróbico de resíduos de animais, do cultivo de arroz irrigado por inundação, de queimadas e desmatamento, do uso de fertilizantes nitrogenados, da fixação biológica do nitrogênio e da adição ou depósito de dejetos animais no solo. Mas, esquecemos dos grandes aterros sanitários nas megacidades, dos pântanos, dos mangues, dos rios Tietê e Pinheiros, dos outros ruminantes, do porco, do frango, do nosso bicho de estimação e de nós mesmos.
É necessário admitir que a pecuária brasileira gera metano, com um rebanho de 185 milhões de cabeças. Dados divulgados em 2005 reportaram que a fermentação entérica do rúmen dos bovinos em 2005 foi responsável por 12% de todas emissões de GEE do Brasil e 53% dos gases emitidos por sistemas agropecuários. Mas o valor definitivo desses dados precisa ainda de confirmações e de estudos mais aprofundados levando em consideração sistemas de produção e sazonalidade da pecuária brasileira.
Dados também publicados pela FAO em 2008 mostram que a concentração de metano na atmosfera apresentava uma estabilização entre os anos 1996 e 2006, enquanto que no mesmo período a população de ruminantes aumentava no mundo. Não se trata de evitar a discussão e sim, de colocar na luz de dados com comprovação irrefutável a verdadeira contribuição dos bovinos brasileiros ao efeito estufa e de traçar estratégias de manejo nutricional, uso de aditivos e a própria seleção de animais menos poluentes.
Os números que se atribuem a nossa pecuária em grande parte são provenientes de técnicas de modelagem e de projeções feitas sobre pesquisa ainda com numero restrito de animais pelas dificuldades operacionais desse tipo de medição. A própria Embrapa em 2006 relatou a escassez e indisponibilidade de dados necessários à caracterização das populações de gado como distribuição por categoria, pesos vivos e consumo entre outros e relatam a incerteza significativa na estimativa de emissões dos relatórios publicados. Ainda ressalta a necessidade de efetuar estimativas em um nível de maior detalhamento, estratificando-se as categorias e sub populações de bovinos de acordo com os sistemas de produção praticados nas diferentes regiões do país, a fim de relacionar informações zootécnicas com componentes socioeconômicos.
Apesar do impacto da pecuária na emissão de metano, a principal atividade emissora de GEE é a conversão de áreas de florestas em sistemas agropecuários com o desmatamento e a queima do material lenhoso, representando 52% das emissões brasileiras, sendo, em grande parte, atribuídas à pecuária de corte para a implantação de pastagens. A verdadeira pecuária empresarial e sustentável não precisa desmatar para dobrar a produção de carne no Brasil. Precisa sim de aplicação de tecnologia, de delineamento de políticas publicas e de recursos na base produtiva, como aqueles feitos pelo BNDES na indústria frigorífica que hoje existem no papel, mas de enorme dificuldade de obtenção impostas pelos agentes financeiros.
Diversos estudos têm demonstrado o potencial benéfico das pastagens em acumular carbono no solo por meio da matéria orgânica chegando a ser igual ou superior ao que acontece na vegetação nativa. Entretanto, a maioria dos estudos relacionados às emissões de gases não considera esse potencial significativo, sendo que o Brasil possui aproximadamente 173 milhões de hectares de terra sob pastagem. Mesmo considerando as degradações existentes, uma parte delas bem manejadas, tem um efeito positivo que precisa ser considerado no balanço final como fator de mitigação da emissão do metano pelo bovino.
Diante das perspectivas mundiais, o Brasil é o único país com possibilidades reais de aumentar a produção mundial de carne bovina. Nessas projeções de cenários, o pecuarista brasileiro será responsável pelo fornecimento global da carne bovina para a humanidade em 2050. Nenhum outro segmento da sociedade tem esse desafio: produzir carne com segurança alimentar, a baixo custo e compatível com a exigência mundial de sustentabilidade. Podemos afirmar que temos caminhos a serem trilhados com inovações tecnológicas e conhecimentos sendo gerados e que temos respostas consistentes para atender à exigência de colocar a pecuária brasileira na vertente da sustentabilidade.
Artigo publicado no Valor Econômico em 12/08/2010